Lembrai-vos

Lembrai-vos
Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, e reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, de igual confiança, a Vós, Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho e, gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos Vossos pés. Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Filho de Deus humanado, mas dignai-Vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo. Amen.

14 Apr 2013

A gaivota e a pomba.


Apontamentos sobre os sentimentos de apreensão após o conclave de 2013
Por Hermes Rodrigues Nery
pomba-papa
Na tarde fria e chuvosa de 13 de março (em contraponto à manhã luminosa da última audiência geral de Bento XVI), um penitente peregrino descalço, ajoelhou-se para rezar na Praça de São Pedro, enquanto uma gaivota pousou na chaminé. Um pouco antes da renúncia de Ratzinger, uma outra gaivota havia atacado uma pomba branca solta por Bento XVI. Afinal, o que está acontecendo? Partilho com amigos próximos que me ligam. E só posso dizer que os sentimentos de angústia pela renúncia de Ratzinger foram substituídos pelos de apreensão. Nenhum entusiasmo nem euforia, porque não me empolgo com a popularidade rápida e fácil. Se Leonardo Boff e frei Betto aplaudem Bergoglio, é preciso tentar entender o que está acontecendo, pois o discernimento é dom do Espírito Santo. Por que permitiu o Espírito Santo que tivessemos hoje duas “Suas Santidades”? Bergoglio é o nosso papa. ”Viva o Papa!”, pede Dom Bosco. Mas por que a gaivota e a pomba? Por que os Cardeais escolheram justamente o oponente de Ratzinger no anterior Conclave? E porque quis o Espírito Santo manter Ratzinger vivo entre nós, nesta quadra difícil da história da Igreja? O que significou Cláudio Hummes ao lado de Bergoglio na sacada?
A fumaça branca trouxe uma explosão de alegria e uma grande expectativa. Depois de mais de uma hora, o Cardeal francês Jean Louis-Tauran, meio engasgado, anunciou Bergoglio, o primeiro papa latino-americano, jesuíta, com o nome de Francisco. Sem a emoção envolvente de Karol Wojtyla, Bergoglio apresentou-se sem majestade, apenas como Bispo de Roma, e curvou-se ao povo, o que muitos interpretaram como um reconhecimento do “Contrato Social” de Rousseau: a legimitidade e a própria unção viriam do povo, e não de Deus. Me ligam e perguntam: o que significa isso? Calma! A fresta da porta não parece coisa boa, mas calma! Os Cardeais escolheram. É o Papa. Se Deus permite, ele sabe o porquê. Bórgia passou, a Igreja prosseguiu. Só Deus é Senhor e Juiz.

No dia seguinte, com os Cardeais, Bergoglio mostra ao que veio: outros gestos que para muitos soam como um desdém pelo papado, com a retórica da humildade. Em vez da reverência que sinaliza sacralidade, os Cardeais estariam desobrigados a beijar-lhe a mão. Alguns Cardeais relataram que, ao beijarem as mãos do novo Pontífice, este por sua vez retribuia-lhes, em um gesto igualitário, com o mesmo beijo. Agora serve um abraço fraternal: somos todos iguais, como bons camaradas. Permanece em Santa Marta e recusa os aposentos papais. Diferente do beato João Paulo II, que assumiu a missão consciente de que era o Papa, pois foi o próprio Jesus quem delegou a Pedro o primado sobre os apóstolos. O Papa é o representante de Cristo e não do povo.
E mais estupefação: Andrea Tornielli desmentiu o episódio em que Bergoglio teria humilhado seu cerimoniário Monsenhor Guido Marini, que foi lhe entregar as vestes pontificais, respondendo-lhe: “Aquela roupa vista o senhor, Monsenhor, o tempo do carnaval acabou”, embora a fonte originária da informação continue assegurando a sua veracidade. (2) E recusou a cruz peitoral dourada, mantendo a cruz de prata, a mesma do tempo em que era Arcebispo de Buenos Aires. Mudou também o seu brasão, retirando o cacho de uva por uma flor de nardo, e substituindo a estrela de cinco pontas por uma de oito, eliminando assim o mal-entendido gerado pela primeira versão que o associava a um símbolo pagão que, por sua vez, se reporta inclusive a divindades egípcias. E em sua homilia inaugural, seu discurso ressoava o Boff ecológico com seu “paradigma do cuidado”, e ainda seu gesto na sacada ecoava longínquos apelos boffianos contidos em seu livro ”E a Igreja se fez povo”, de 1985, em que o teólogo da libertação punido por Ratzinger apresentava, já naquela época, no capítulo XI, São Francisco como patrono da opção pelos pobres, cuja libertação deveria ir “além das reformas sociais”, “em vista de uma sociedade mais circular e igualitária” (3). Seria este o “caminho” que Bergoglio, na sacada, indicou estar se iniciando ao se curvar ao povo?
O fato é que todo ataque à sacralidade do Papado acentua ainda mais o processo de protestantização da Igreja, visando despojá-la não apenas de suas “vestes nupciais”, mas fazendo-a hesitante no diálogo com as demais religiões.
O beato João Paulo II e Bento XVI sabiam que cada gesto seu deveria reportar-se àquele que é o Senhor de todos: Jesus Cristo, Senhor e Salvador. Se o Papa é um igual entre todos, deixa de ter realeza, e com isso relativiza a própria realeza de Cristo, de quem é representante visível na Terra. Pio XI havia sido explícito na encíclica Quas Primas: “O próprio Cristo testemunha  sobre o seu reinado, seja no último sermão ao povo, ao falar das recompensas e as penas reservadas na vida eterna aos justos e condenados; seja ao responder ao governador romano, que lhe perguntou publicamente se era Rei; seja ao confiar aos apóstolos, depois de ter ressuscitado, a missão de ensinar e batizar os povos: sempre que teve azo, Cristo deu-se a si mesmo o título de Rei, confirmou publicamente que é Rei, e declarou solenemente que lhe foi dado todo o poder no céu e na terra”. (4) Ao recusar as insignias papais, os sinais divinos da sua missão como pontífice, Bergoglio parece estar disposto a uma revolução sem precedentes na história da Igreja, de graves, gravíssimas conseqüências.
A fresta da porta que ele acena querer abrir mostra um roteiro conhecido. A revolução que propõe em nome do “poverello” de Assis é aquela que levou ao regicídio de Luís XVI. O impulso é o mesmo: o modernismo que quer corroer “as fibras mais vitais” do sagrado. E nesse sentido, Ratzinger tentou colocar o dique na rebelião vulcânica e luciferina que vem há décadas, agravada com o Concílio Vaticano II.
 ”A Igreja tem de ser força de resistência” (6).
Explica o Prof. Roberto de Mattei que “o termo ‘modernismo’ aparece oficialmente pela primeira vez na encíclica Pascendi, de São Pio X, reconduzindo a um mesmo movimento um complexo de erros em todos os domínios da doutrina católica (Sagrada Escritura, teologia, filosofia, culto). As raízes e as razões deste movimento residem na tentativa de estabelecer um ‘diálogo’ entre a Igreja e o processo de secularização que se seguiu à Revolução Francesa.” (7) A Igreja resistiu, em altos graus de heroicidade, tendo os Papas como baluartes seguros na defesa da sã doutrina. “No século XIX , Pio IX tinha posto travão a este processo revolucionário em três momentos solenes do seu pontificado: a definição do dogma da Imaculada Conceição (1854); a condenação dos erros modernos com a encíclica Quanta Cura e com o Syllabus (1864); a proclamação dos dogmas do primado de jurisdição e da infabilidade do Romano Pontífice, no Concílio Vaticano I (1870). Qualquer destes atos constituiu um bastião teológico que dificultou ataques frontais. A ‘reforma’ da Igreja, que fora o objetivo das principais correntes heterodoxas dos séculos XVIII e XIX, teria de seguir por outros caminhos”. (8)
Foi preciso então inocular o germe da revolução por dentro da instituição.
Em 1907, Ernesto Buonaiuti apresentou o seu “Programa dos Modernistas”, desejoso que o método histórico se tornasse “o verdadeiro locus theologicus  da Revolução cristã”. (9) Mas foi o jesuíta George Tyrrel quem identificou”a Revelação com a experiência vital (religious experience) que tem lugar na consciência do homem, razão pela qual deve ser a lex orandi a ditar as normas da lex credendi, e não o contrário”. (10) Maurice Blondel propôs “uma nova forma de apologética, através do método da imanência, que permitiria acolher a Revelação a partir das exigências do espírito do homem. A apologética de Blondel que pretendia evitar o ‘intelectualismo’, assentava numa religião do coração com um pano de fundo subjetivista e imanentista”. (11) São Pio X condenou “o princípio de imanência que constituía o núcleo do modernismo”, (12) a partir do qual veio depois o relativismo. Daí emergiram correntes de pensamento no seio da Igreja que irão agudizar-se ao longo do século XX, especialmente no Vaticano II: dos que vivem a fé no Cristo Ressuscitado, com verdadeiro assentimento, e dos que assumiram o caminho da hesitação.
O modernismo infiltrou-se através de vários movimentos (o ‘movimento bíblico’, o “movimento litúrgico”, o “movimento filosófico-teológico” – de modo especial a nouvelle théologie– , o “movimento ecumênico” e outros. Pouco a pouco, os que assumiram o caminho da hesitação foram voltando as costas para as advertências e apelos de São Pio X, ávidos de agradar ao mundo, no afã do aggiornamento, que será a palavra de ordem do Vaticano II. São Pio X havia feito o diagnóstico preciso dos erros da época e apresentado soluções. Mas os hesitantes entenderam logo que crer na Verdade revelada significa lutar por ela, e num mundo com atrativos mais sedutores, em decorrência dos avanços tecnológicos, era melhor “uma ‘reinterpretação’ da doutrina e da estrutura da Igreja, com o objetivo de a adaptar ao espírito moderno”. (13) Das ordens religiosas mais abertas a esta adaptação, destacaram-se os franciscanos, os dominicanos e os jesuítas. Não por acaso são as que hoje, passados 50 anos do evento conciliar, estão mais desmanteladas. Leão XIII, ainda no século XIX, já havia traçado “as linhas do processo revolucionário que, tendo-se iniciado no protestantismo e passado pela Revolução Francesa, desembocava no comunismo” (14), doutrina esta que, em maior ou menor extensão, foi adotada por quase todas as ordens religiosas no pós-concílio.
Outra estratégia dos modernistas foi a da dissimulação, conforme observou Jean Rivière: “saber dissimular as próprias armas é um dos princípios essenciais da guerra moderna. Foi também uma das características distintivas do movimento modernista associar o ataque direto aos dogmas com a mais extrema variedade de subterfúgios”. (15) Com a resistência dos Papas, já ao tempo de Pio XII, Ernesto Buonaiuti  concluiu que “até hoje pretendeu-se reformar Roma sem Roma, ou talvez até contra Roma. Ora, é necessário reformar Roma com Roma: fazer com que a reforma passe pelas mãos daqueles que tem de ser reformados. É este o método verdadeiro e infalível; mas é difícil. Hic opus, hic labor“. (16) De Mattei ressalta então que “o modernismo propunha-se, pois, transformar o catolicismo a partir de dentro, deixando intacto, nos limites do possível, o invólucro exterior da Igreja”. (17) E destaca ainda o propósito de Buonaiuti: “O culto exterior permanacerá para sempre, tal como a herarquia, mas a Igreja, enquanto mestra dos sacramentos e da respectiva ordem, modificará a hierarquia e o culto de acordo com os tempos: aquela tornar-se-á mais simples, mais liberal, e este tornar-se-á mais espiritual. Por esta via, a Igreja transformar-se-á num protestantismo, mas será um protestantismo ortodoxo e gradual, e já não um protestantismo violento, agressivo, revolucionário, insubordinado; será um protestantismo que não destruirá a continuidade apostólica do ministério eclesiástico, nem a própria essência do culto”. (18) O jesuíta George Tyrrel vai mais longe: “Roma não pode ser destruída num dia, tem de se dissolver em pó e cinzas de forma gradual e inofensiva. Teremos então uma nova religião e um novo decálogo”. (19) Outro ponto estratégico: “a reforma ‘terá de ser dos ritos, e não abertamente dos dogmas’”. (20) O alvo principal é atingir a realeza de Cristo, feito isto, o resto fica tudo pulverizado. Para São Pio X a autêntica reforma “tinha a sua base na preservação e transmissão da verdade católica” (21), mas os hesitantes optaram pelo relativismo.
Com tudo isso, é de ficarmos apreensivos quando Bergoglio, jesuíta e latino-americano, se apresenta exclusivamente como bispo de Roma e, de cara, desfere golpes contra a sacralidade do papado, fazendo questão de evidenciar o seu distanciamento de seu precedessor — ainda vivo e exilado em Castel Gandfolfo!
Atordoados com tudo isso, orantes e vigiliantes, tentamos entender o que está acontecendo. E os sentimentos são de prudência e apreensão. De Fé na promessa de Nosso Senhor, que dá legitimidade ao ministério petrino. Por que temos agora duas “Suas Santidades”? Por que os Cardeais escolheram justamente o oponente de Ratzinger do conclave de 2005? Por que o raio na Basílica de São Pedro no dia da renúncia de Bento XVI? Por que o penitente peregrino descalso na tarde fria e chuvosa de 13 de março, na praça de São Pedro? Por que a gaivota na chaminé? A gaivota que atacou a pomba antes da renúncia de Bento XVI?  
Hermes Rodrigues Nery é coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da Vida e do Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté. Especialista em Bioética, é pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail: hrneryprovida@gmail.com

Notas:

1. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 39, Ed. Planeta, São Paulo, 2007.

2. Ver http://fratresinunum.com/2013/03/25/francisco-e-marini/ e http://fratresinunum.com/2013/03/16/aquela-roupa-vista-o-senhor-monsenhor-o-tempo-do-carnaval-acabou-nosso-muito-obrigado-pelo-seu-precioso-trabalho-monsenhor-marini/

3. Leonardo Boff, E a Igreja se Fez Povo, Círculo do Livro, 1986, São Paulo, p. 165.

4. Pio XI, Encíclica Quas Prima, 5 – Sobre a Instituição da Festa de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei, p. 66, Edições Cristo Rei, Belo Horizonte, 2011.

5. Mc 14, 7

6. Joseph Ratzinger, O Sal da Terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald , p. 215, Ed. Imago, 1997.

7. Roberto de Mattei, O Concílio Vaticano II – Uma História nunca escrita, p. 33, Caminhos Romanos – Unipessoal Ltda, porto – Portugal, 2012.

8. Ib. PP.33-34.

9. Ib. p. 36

10. Ib. p. 37.

11. Ibidem.

12. Ib. p. 38.

13. Ib. p. 50.

14. Ib. p. 58.

15. Pio XI, Encíclica Quas Prima – Sobre a Instituição da Festa de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei, p. 66, Edições Cristo Rei, Belo Horizonte, 2011.

16. Roberto de Mattei, O Concílio Vaticano II – Uma História nunca escrita, p. 67, Caminhos Romanos – Unipessoal Ltda, Porto – Portugal, 2012.

17. Ibidem.

18. Ibidem.

19. Ib. p. 68.

20. Ib. p. 69.

21. Ib. p. 89.

No comments:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Imagem do Vulcão Merapi - "Montanha do fogo" Ilha de Java/Indonésia em erupção. Sem palavras...

Imagem do Vulcão Merapi - "Montanha do fogo" Ilha de Java/Indonésia em erupção. Sem palavras...
"Ai de mim, se não evangelizar'! "Se eu me calar, até as pedras falarão"...

glitters